As
redes virtuais e a construção do inimigo
Hemerson Luiz Pase
Desde
que aderi ao Facebook e ao WhatsApp tive a impressão de que as
pessoas virtuais (perfis) são muito mais intensas, interagem com
muito mais radicalidade e extremismo que na vida normal. Penso que há
algum gatilho psicológico que desinibe os indivíduos e os permite
escrever coisas para as outras pessoas que jamais diriam
pessoalmente. Resultado comum é a construção de inimizades que
tem um duplo objetivo, agredir alguém ou alguma coisa, buscar
simpatia e legitimidade pessoal a partir da tripudiação do outro.
Talvez esse gatilho psicológico seja massageado pela impunidade,
raramente as redes virtuais punem seus usuários. Não obstante,
algumas vezes as postagens sejam usadas como prova de calúnia,
difamação ou falsidade na advocacia, sua efetividade, seu impacto
jamais é totalmente sanado.
Não
ocorreu coisa diferente nas eleições majoritárias de 2018, a
linguagem das redes sociais, de via única, substituíram o debate e
a apresentação de programas e compromissos. A vitória de Bolsonaro
foi construída a partir da calúnia, difamação, promessas
segmentadas, ou seja, a partir da agressão ao(s) outro(s) candidatos
e da busca da legitimidade pessoalíssima, como se diria em bom
juridiquês. Essa linguagem permanece viva quando vemos os ministros
de Bolsonaro dizer que se a Reforma da Previdência não for aprovada
o país quebra, o governo não poderá mais pagar os servidores
públicos. Não obstante, proíbem a apresentação dos dados, das
contas, da prospecção dos resultados que a reforma produzirá.
Aqui
no Rio Grande do Sul a receita não é diferente, os últimos dois
governadores gaúchos, atrasam salários para forçarem reformas
difíceis. O que unifica a linguagem neoliberal conservadora desses
atores políticos? A necessidade de construirem inimigos para fazer o
mal! Ou seja, para convencerem a população a autorizá-los a
aprovar medidas que impõe perda a grandes contingentes
populacionais. Numa palavra, para legitimá-los entregando-os um
cheque em branco, a partir da ditadura da maioria, pior do vícios
da democracia, desde Aristóteles.
Esse
fenômeno parece novo, mas não é. A novidade é o instrumento que
está sendo utilizado para realizá-lo. Esta linguagem foi teorizada
na Segunda Guerra Mundial quando o Ministro da Propaganda de Hitler,
Joseph Goebbels, afirmava 'Uma mentira repetida muitas vezes torna-se
verdade(...)'. No Brasil essa
linguagem foi muito habilmente utilizada durante a ditadura militar
conforme mostra
o Dr. Everton Santos (2010) no seu excelente livro que desvenda
o papel da ESG com cérebro da formulação teórica e da propaganda
do regime militar. Inspirado em Thompson (2009), Santos mostra
como a doutrina da segurança nacional foi um instrumento essencial
na construção do método e do marketing do regime militar, cujo
modus operandi era de construir um inimigo externo, o comunismo, e
inimigos internos, os adversários do regime.
A
doutrina da segurança nacional justificava todas as ações do
regime militar, a construção de um judiciário inquisitório, a
censura aos meios de comunicação, a perseguição aos opositores,
as grandes obras de infraestrutura às custas do meio ambiente, enfim
toda sorte de ações legitimadas pelo regime representativo
'autorizado'. A doutrina orientava as ações de toda a burocracia
nacional e era propagandeada pelos jornais, nas escolas, nas igrejas
e nas universidades. Ou seja, os instrumentos de popularização eram
distintos daqueles utilizados no presente.
Indiscutivelmente
os meios de construção de inimigos atualmente são distintos
daqueles utilizados pela ditadura militar, mas o papel que a época
era exercido pela doutrina da segurança nacional atualmente é
substituído ora pelo endividamento do Estado, ora pela déficit da
previdência, ora pela ameaça representada pelos médicos cubanos ou
pelo presidente Maduro, da Venezuela. É importante conhecermos e
analisarmos o conteúdo e a metodologia utilizada para a construção
dos inimigos do regime, pois isso determinará o nível de
legitimidade para os governos fazerem o mal. Antes era a doutrina da
segurança nacional, hoje é o hipertrofia do Estado! Antes era a
'hora do Brasil' hoje é o Facebook.
Bibliografia:
Santos,
Everton. Poder
e Dominação no Brasil: a Escola Superior de Guerra (1974/1989).
Porto Alegre/Novo Hamburgo: Editora Sulina/Feevale, 2010. v. 1. 223p
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Thompson,
John. Ideologia
e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de
comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 2009.