quinta-feira, 25 de abril de 2019

As redes virtuais e a construção do inimigo


As redes virtuais e a construção do inimigo

Hemerson Luiz Pase


Desde que aderi ao Facebook e ao WhatsApp tive a impressão de que as pessoas virtuais (perfis) são muito mais intensas, interagem com muito mais radicalidade e extremismo que na vida normal. Penso que há algum gatilho psicológico que desinibe os indivíduos e os permite escrever coisas para as outras pessoas que jamais diriam pessoalmente. Resultado comum é a construção de inimizades que tem um duplo objetivo, agredir alguém ou alguma coisa, buscar simpatia e legitimidade pessoal a partir da tripudiação do outro. Talvez esse gatilho psicológico seja massageado pela impunidade, raramente as redes virtuais punem seus usuários. Não obstante, algumas vezes as postagens sejam usadas como prova de calúnia, difamação ou falsidade na advocacia, sua efetividade, seu impacto jamais é totalmente sanado.
Não ocorreu coisa diferente nas eleições majoritárias de 2018, a linguagem das redes sociais, de via única, substituíram o debate e a apresentação de programas e compromissos. A vitória de Bolsonaro foi construída a partir da calúnia, difamação, promessas segmentadas, ou seja, a partir da agressão ao(s) outro(s) candidatos e da busca da legitimidade pessoalíssima, como se diria em bom juridiquês. Essa linguagem permanece viva quando vemos os ministros de Bolsonaro dizer que se a Reforma da Previdência não for aprovada o país quebra, o governo não poderá mais pagar os servidores públicos. Não obstante, proíbem a apresentação dos dados, das contas, da prospecção dos resultados que a reforma produzirá.
Aqui no Rio Grande do Sul a receita não é diferente, os últimos dois governadores gaúchos, atrasam salários para forçarem reformas difíceis. O que unifica a linguagem neoliberal conservadora desses atores políticos? A necessidade de construirem inimigos para fazer o mal! Ou seja, para convencerem a população a autorizá-los a aprovar medidas que impõe perda a grandes contingentes populacionais. Numa palavra, para legitimá-los entregando-os um cheque em branco, a partir da ditadura da maioria, pior do vícios da democracia, desde Aristóteles.
Esse fenômeno parece novo, mas não é. A novidade é o instrumento que está sendo utilizado para realizá-lo. Esta linguagem foi teorizada na Segunda Guerra Mundial quando o Ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, afirmava 'Uma mentira repetida muitas vezes torna-se verdade(...)'. No Brasil essa linguagem foi muito habilmente utilizada durante a ditadura militar conforme mostra o Dr. Everton Santos (2010) no seu excelente livro que desvenda o papel da ESG com cérebro da formulação teórica e da propaganda do regime militar. Inspirado em Thompson (2009), Santos mostra como a doutrina da segurança nacional foi um instrumento essencial na construção do método e do marketing do regime militar, cujo modus operandi era de construir um inimigo externo, o comunismo, e inimigos internos, os adversários do regime.
A doutrina da segurança nacional justificava todas as ações do regime militar, a construção de um judiciário inquisitório, a censura aos meios de comunicação, a perseguição aos opositores, as grandes obras de infraestrutura às custas do meio ambiente, enfim toda sorte de ações legitimadas pelo regime representativo 'autorizado'. A doutrina orientava as ações de toda a burocracia nacional e era propagandeada pelos jornais, nas escolas, nas igrejas e nas universidades. Ou seja, os instrumentos de popularização eram distintos daqueles utilizados no presente.
Indiscutivelmente os meios de construção de inimigos atualmente são distintos daqueles utilizados pela ditadura militar, mas o papel que a época era exercido pela doutrina da segurança nacional atualmente é substituído ora pelo endividamento do Estado, ora pela déficit da previdência, ora pela ameaça representada pelos médicos cubanos ou pelo presidente Maduro, da Venezuela. É importante conhecermos e analisarmos o conteúdo e a metodologia utilizada para a construção dos inimigos do regime, pois isso determinará o nível de legitimidade para os governos fazerem o mal. Antes era a doutrina da segurança nacional, hoje é o hipertrofia do Estado! Antes era a 'hora do Brasil' hoje é o Facebook.

Bibliografia:
Santos, Everton. Poder e Dominação no Brasil: a Escola Superior de Guerra (1974/1989). Porto Alegre/Novo Hamburgo: Editora Sulina/Feevale, 2010. v. 1. 223p .
Thompson, John. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 2009.