A solidariedade italiana
com os refugiados da ditadura de Pinochet: reflexões a partir do documentário “Santiago
– Itália”
Tiago
Leles de Oliveira[1]
O
documentário “Santiago, Itália” apresenta a solidariedade italia diante do
golpe de Estado ocorrido em 11 de setembro de 1975 no Chile, que foi
responsável por derrubar o presidente eleito Salvador Allender, empossando o
general Augusto Pinochet, que impôs uma ditadura civil-militar ao Chile,
responsável por 40 mil mortes e 3 mil torturados. Nesse sentido, se abordará a
partir de uma análise fílmica, os eventos chilenos dos anos 1970 e,
principalmente, a ação de acolhimento que a embaixada italiana, em Santiago,
realizou para com os refugiados políticos.
Esta
análise fílmica se fundamenta por três eixos temáticos, os quais são: a época
que o documentário aborda, o período, social, econômico e cultural em que ele
foi feito e o tempo da arte, referindo-se ao movimento do cinema ao qual se
insere (MOMBELLI, TOMAIM 2015).
Neste
documentário contemporâneo, produzido e dirigido por Nanni Moretti, impõe como
missão refletir sobre a Itália, aturdida com a chegada da extrema-direita ao
poder, que adota uma política mais restritiva à imigração. Nesse sentido,
cria-se um contraponto com a solidariedade que a embaixada Italiana ofereceu a
quem precisava de refúgio nos 1970, por uma questão de sobrevivência, com a
emergência de ditaduras-latino-americanas.
Tendo
como enfoque, a narrativa em si, exposta verbalmente, enquanto que as imagens
ficaram em segundo plano, num tom mais ilustrativo, os personagens sociais, ou
seja, os atores políticos, sobreviventes da ditadura, são entrevistados por
Nanni Moretti, responsáveis por recompor, através de fragmentos das memórias,
uma imagem do passado (MOMBELLI, TOMAIM, 2015), intercalando com cenas documentais.
Assim,
recontou-se a vitória eleitoral do presidente Salvador Allende pela Unidade
Popular (UP), que defendia a “via democrática para o socialismo”, o qual
atemorizava a classe dominante e os interesses capitalistas dos Estados Unidos
da América (EUA), sob um contexto de Guerra Fria, que foi um confronto entre as
superpotências EUA e a União das Repúblicas Socialista Soviética, capitalistas
e socialistas, respectivamente, com intuito de conquistar zonas de influência,
buscando um freio à pretensão expansionista que ambos possuíam (VIZENTINI,
2004).
Nesse
sentido, a reação conservadora por parte da burguesia chilena foi açulada por
sabotadores, responsáveis por criar uma situação de escassez artificial, sob o
apoio dos EUA, para ocasionar uma instabilidade política e econômica para o
mandatário eleito, que havia promovido uma série de estatizações contra os seus
interesses, como o do cobre, antes administrado por uma empresa estadunidense.
Sendo assim, o golpe de Estado promovido pelo
general Augusto Pinochet apoiado pelos EUA, foi responsável pela deposição do
presidente democrático, através de um bombardeio ao palácio de La Moneda, sede
do Governo, que levou a sua morte, e pela instauração de uma ditadura
civil-militar, que perseguiu os dissidentes políticos, utilizando o terrorismo
de Estado como método, acompanhado da tortura, como demonstraram os
entrevistados que sentiram na pele e se tornaram refugiados políticos, forçados
ao asilo, separados do seu ambiente familiar, de amigos e de redes sócias
estabelecidas (ACNUR, 1997).
Sobretudo,
o cerne do documentário trata-se da acolhida de 250 dissidentes políticos
promovida pela Embaixada da Itália em Santiago, no Chile, tendo como destaque o
testemunho do ex-embaixador Italiano. Nesse sentido, os relatos centram-se no
acolhimento que a embaixada oferecia aos opositores à ditadura, que se
arriscavam saltando os muros do prédio italiano, em busca de proteção, que era
estritamente vigiada pela polícia política de Augusto Pinochet.
Entretanto, a repressão chilena reconhecia os limites
impostos pelo direito internacional público, pois o art. 22 da convenção de
Viena estabeleceu sobre Relações Diplomáticas expressamente, que “os locais da
missão são invioláveis”. Nesse cenário, a embaixada italiana em Santiago, é
tida como uma extensão do território italiano, não sendo permitido o ingresso
de agentes da repressão do estado chileno, sem que houvesse a aprovação do
chefe da missão, garantindo certo refúgio aos exilados do regime.
De
acordo ex-embaixador Piero De Masi,
a delegação diplomática era direcionada a acolher os solicitantes de asilo
político, tendo em vista as conexões entre os atores políticos chileno e
italiano, no campo progressista; além disso, a Itália era regida por uma
coalizão de centro-esquerda: os democratas-cristãos e os esquerdistas,
representados por socialistas e comunistas, formavam governo, havendo, na
época, uma discussão sobre a possibilidade de construir um “compromisso histórico”
na Itália (ÁVILA, 2014), simbolizado pela solidariedade.
Desse
modo, a Roma se tornou um importante local da expatriada oposição chilena, após
o salvo-conduto que a diplomacia italiana concedeu aos exilados chilenos, para
que pudessem ser levados ao aeroporto de Santiago, sem intentos repressivos,
para embarcar com destino a Roma ou Milão, estabelecendo-se no exterior.
Portanto,
o documentário “Santiago, Itália” apresenta a solidariedade italiana,
responsável pelo acolhimento de opositores chilenos, por conta do
direcionamento do Governo Italiano de centro-esquerda, reconhecendo a violência
política que a junta militar de Augusto Pinochet impunha ao Chile.
Além disso, é possível estabelecer um
contraponto entre a Itália solidária do passado e Itália restritiva do
presente, com a extrema-direita, que dificulta o acolhimento a imigrantes ou
refugiados, destoando da solidariedade da delegação diplomática, em Santiago,
do “compromisso histórico”, com o intuito de instigar uma reflexão cidadã sobre
o acolhimento a perseguidos na atualidade.
Referências
SANTIAGO, Itália. Direção: Nanni
Moretti. Itália. Pandora filmes, 2018, Petra Belas Artes (120min)
MOMBELLI, Nelli Fabiane;
TOMAIM, C. D. S. Análise de documentários: apontamentos metodológicos. Lumina, PPGCOM/UFJF, v. 8, n. 2, p.
1-17, jan./2015. Disponível em:
<https://periodicos.ufrj.br/index.php/lumina/article/view/21098/11467> Acesso em: 14 ago. 2020.
ALTO COMISSÁRIO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS (ACNUR). A Situação dos Refugiados no Mundo: Em
busca de Soluções. Lisboa: Papelaria Clássica, 1997.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA: CASA CIVIL. Sub chefia para assuntos Jurídicos. Disponível
em:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D56435.htm>
Acesso em: 14 ago. 2020.
VIZENTINI, Paulo Fagundes. A Guerra Fria: o
desafio socialista à ordem americana. Porto Alegre: Leitura XXI, 2004, p.
109-157.
ÁVILA, C. F. D. O golpe no Chile e a política internacional (1973): ensaio de interpretação. História, São Paulo, v. 33, n. 1, p. 290-316, fev./2014. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/his/v33n1/14.pdf> Acesso em: 14 ago. 2020
[1]
Estudante de graduação do Curso de Bacharelado em Relações Internacionais na
Universidade Federal do Rio Grande. E-mail: tiagoleles100@gmail.com