quinta-feira, 27 de agosto de 2020

A solidariedade italiana com os refugiados da ditadura de Pinochet: reflexões a partir do documentário “Santiago – Itália”

 

A solidariedade italiana com os refugiados da ditadura de Pinochet: reflexões a partir do documentário “Santiago – Itália”

Tiago Leles de Oliveira[1]

O documentário “Santiago, Itália” apresenta a solidariedade italia diante do golpe de Estado ocorrido em 11 de setembro de 1975 no Chile, que foi responsável por derrubar o presidente eleito Salvador Allender, empossando o general Augusto Pinochet, que impôs uma ditadura civil-militar ao Chile, responsável por 40 mil mortes e 3 mil torturados. Nesse sentido, se abordará a partir de uma análise fílmica, os eventos chilenos dos anos 1970 e, principalmente, a ação de acolhimento que a embaixada italiana, em Santiago, realizou para com os refugiados políticos.

Esta análise fílmica se fundamenta por três eixos temáticos, os quais são: a época que o documentário aborda, o período, social, econômico e cultural em que ele foi feito e o tempo da arte, referindo-se ao movimento do cinema ao qual se insere (MOMBELLI, TOMAIM 2015).

Neste documentário contemporâneo, produzido e dirigido por Nanni Moretti, impõe como missão refletir sobre a Itália, aturdida com a chegada da extrema-direita ao poder, que adota uma política mais restritiva à imigração. Nesse sentido, cria-se um contraponto com a solidariedade que a embaixada Italiana ofereceu a quem precisava de refúgio nos 1970, por uma questão de sobrevivência, com a emergência de ditaduras-latino-americanas.

Tendo como enfoque, a narrativa em si, exposta verbalmente, enquanto que as imagens ficaram em segundo plano, num tom mais ilustrativo, os personagens sociais, ou seja, os atores políticos, sobreviventes da ditadura, são entrevistados por Nanni Moretti, responsáveis por recompor, através de fragmentos das memórias, uma imagem do passado (MOMBELLI, TOMAIM, 2015), intercalando com cenas  documentais.

Assim, recontou-se a vitória eleitoral do presidente Salvador Allende pela Unidade Popular (UP), que defendia a “via democrática para o socialismo”, o qual atemorizava a classe dominante e os interesses capitalistas dos Estados Unidos da América (EUA), sob um contexto de Guerra Fria, que foi um confronto entre as superpotências EUA e a União das Repúblicas Socialista Soviética, capitalistas e socialistas, respectivamente, com intuito de conquistar zonas de influência, buscando um freio à pretensão expansionista que ambos possuíam (VIZENTINI, 2004).

Nesse sentido, a reação conservadora por parte da burguesia chilena foi açulada por sabotadores, responsáveis por criar uma situação de escassez artificial, sob o apoio dos EUA, para ocasionar uma instabilidade política e econômica para o mandatário eleito, que havia promovido uma série de estatizações contra os seus interesses, como o do cobre, antes administrado por uma empresa estadunidense.

 Sendo assim, o golpe de Estado promovido pelo general Augusto Pinochet apoiado pelos EUA, foi responsável pela deposição do presidente democrático, através de um bombardeio ao palácio de La Moneda, sede do Governo, que levou a sua morte, e pela instauração de uma ditadura civil-militar, que perseguiu os dissidentes políticos, utilizando o terrorismo de Estado como método, acompanhado da tortura, como demonstraram os entrevistados que sentiram na pele e se tornaram refugiados políticos, forçados ao asilo, separados do seu ambiente familiar, de amigos e de redes sócias estabelecidas (ACNUR, 1997).

Sobretudo, o cerne do documentário trata-se da acolhida de 250 dissidentes políticos promovida pela Embaixada da Itália em Santiago, no Chile, tendo como destaque o testemunho do ex-embaixador Italiano. Nesse sentido, os relatos centram-se no acolhimento que a embaixada oferecia aos opositores à ditadura, que se arriscavam saltando os muros do prédio italiano, em busca de proteção, que era estritamente vigiada pela polícia política de Augusto Pinochet.

            Entretanto, a repressão chilena reconhecia os limites impostos pelo direito internacional público, pois o art. 22 da convenção de Viena estabeleceu sobre Relações Diplomáticas expressamente, que “os locais da missão são invioláveis”. Nesse cenário, a embaixada italiana em Santiago, é tida como uma extensão do território italiano, não sendo permitido o ingresso de agentes da repressão do estado chileno, sem que houvesse a aprovação do chefe da missão, garantindo certo refúgio aos exilados do regime.

            De acordo ex-embaixador Piero De Masi, a delegação diplomática era direcionada a acolher os solicitantes de asilo político, tendo em vista as conexões entre os atores políticos chileno e italiano, no campo progressista; além disso, a Itália era regida por uma coalizão de centro-esquerda: os democratas-cristãos e os esquerdistas, representados por socialistas e comunistas, formavam governo, havendo, na época, uma discussão sobre a possibilidade de construir um “compromisso histórico” na Itália (ÁVILA, 2014), simbolizado pela solidariedade.

Desse modo, a Roma se tornou um importante local da expatriada oposição chilena, após o salvo-conduto que a diplomacia italiana concedeu aos exilados chilenos, para que pudessem ser levados ao aeroporto de Santiago, sem intentos repressivos, para embarcar com destino a Roma ou Milão, estabelecendo-se no exterior.

Portanto, o documentário “Santiago, Itália” apresenta a solidariedade italiana, responsável pelo acolhimento de opositores chilenos, por conta do direcionamento do Governo Italiano de centro-esquerda, reconhecendo a violência política que a junta militar de Augusto Pinochet impunha ao Chile.

 Além disso, é possível estabelecer um contraponto entre a Itália solidária do passado e Itália restritiva do presente, com a extrema-direita, que dificulta o acolhimento a imigrantes ou refugiados, destoando da solidariedade da delegação diplomática, em Santiago, do “compromisso histórico”, com o intuito de instigar uma reflexão cidadã sobre o acolhimento a perseguidos na atualidade.

 

Referências

SANTIAGO, Itália. Direção: Nanni Moretti. Itália. Pandora filmes, 2018, Petra Belas Artes (120min)

MOMBELLI, Nelli Fabiane; TOMAIM, C. D. S. Análise de documentários: apontamentos metodológicos. Lumina, PPGCOM/UFJF, v. 8, n. 2, p. 1-17, jan./2015. Disponível em:

<https://periodicos.ufrj.br/index.php/lumina/article/view/21098/11467> Acesso em: 14 ago. 2020.

ALTO COMISSÁRIO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS (ACNUR). A Situação dos Refugiados no Mundo: Em busca de Soluções. Lisboa: Papelaria Clássica, 1997.

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA: CASA CIVIL. Sub chefia para assuntos Jurídicos. Disponível     

em:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D56435.htm> Acesso em: 14 ago. 2020.

VIZENTINI, Paulo Fagundes. A Guerra Fria: o desafio socialista à ordem americana. Porto Alegre: Leitura XXI, 2004, p. 109-157.

ÁVILA, C. F. D. O golpe no Chile e a política internacional (1973): ensaio de interpretação. História, São Paulo, v. 33, n. 1, p. 290-316, fev./2014. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/his/v33n1/14.pdf> Acesso em: 14 ago. 2020

 

 



[1] Estudante de graduação do Curso de Bacharelado em Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande. E-mail: tiagoleles100@gmail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A Equipe do NEPPU agradece a sua participação!