terça-feira, 7 de dezembro de 2021

A DIALÉTICA HEGELIANA E SUAS RELAÇÕES À AMEAÇA AMBIENTAL DO GOVERNO BOLSONARO

                                                                                                                                           Raíssa Maciel[1]

Resumo

O trabalho apresentado analisa as relações que o governo Bolsonaro possui com o crescente desmatamento no Brasil e como esse agravante pode ser relacionado com a dialética de Hegel- filósofo importante para a corrente Idealista alemã, aplicando o modelo de teses, antíteses e sínteses à situação descrita.

Palavras-chave: dialética hegeliana, teses, antíteses, sínteses, desmatamento, ameaça ambiental, governo Bolsonaro.

 A dialética hegeliana

           Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) foi um filósofo germânico que fez parte da corrente chamada “Idealismo alemão” e o primeiro autor a separar e fixar dois conceitos distintos, o de sociedade civil e Estado político. Apesar de Hegel ser nitidamente reconhecido e ter seu trabalho marcado por esses dois princípios, o autor acabou sendo alvo de críticas de filósofos e sociólogos como Karl Popper e Herbert Marcuse, por conta de seu programa de dialética, posteriormente chamado de “dialética hegeliana”.

            Enquanto conceito, a dialética basicamente se constitui como um diálogo ou um conflito que se origina de princípios ou filosofias divergentes. Sendo assim, considerando que Hegel surge em um período de grandes transformações do mundo ocidental, o filósofo acaba construindo “uma filosofia enquanto expressão especulativa da própria história.” (WEFFORT, 2001: pág. 108) na lógica de sua dialética. Assim, a intenção de Hegel era, não estudar a filosofia da história, mas uma filosofia que estudasse a própria história.

        Utilizando esse período de grandes mudanças históricas, Hegel estabelece a sua dialética justamente na movimentação da história, ou seja, do homem. Como analisa-se o contexto e, portanto, a realidade do homem, a dialética de Hegel nunca é estática. Logo, o conhecimento também está sempre em constância, mudando e sendo contextualizado. Por isso, o programa do filósofo alemão acaba se tornando uma espiral; repartida em três estados, a dialética hegeliana parte de uma tese (afirmação de algo), uma antítese (a contextualização da contradição da tese) e a síntese (produzida como uma nova afirmação ou a negação da antítese).

        Desse modo, aplicando a teoria da dialética na realidade, todo o movimento humano acaba se dando a partir da contradição entre uma tese e uma antítese que acabam produzindo uma síntese. Nenhuma das partes se dá sem a contestação da outra. Sendo assim, é possível aplicar a dialética de Hegel em todos os períodos da humanidade e, especificamente, na situação atual no Brasil.

Situação ambiental do Brasil no governo Bolsonaro

        Em 2019, o atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, foi eleito com projetos de leis ambientais que em nada visavam proteger o meio ambiente do Brasil e muitos menos a conservação da Amazônia. Com a premissa de melhorar a economia do país, sem saber nada de tal ciência, o governo do presidente Bolsonaro claramente inclina-se a perpetuidade do agronegócio brasileiro, independente dos prejuízos que esse setor causa, de formas irreversíveis ao ambiente. Assim sendo, hoje, três anos após assumir o cargo, a situação ambiental no país cheio de biodiversidade permanece a mesma, precária e continuadamente sendo destruída por essas indústrias.

Antes de tudo, é necessário interpretar três pontos para compreender o que acontece no Brasil: primeiro, o governo Bolsonaro sempre lucrou com uma campanha eleitoral em que a premissa era acabar com a corrupção e melhorar a economia do Brasil; segundo, a economia brasileira hoje, lucra extremamente com exportações do setor agricultor e do mercado de carne; terceiro, indústrias do agronegócio desmatam áreas como as do Pantanal e Amazônia não para plantar insumos que alimentam a própria população e sim que alimentem o gado que vai ser criado, abatido e, em grande parte, exportado.

Logo, é essencial salientar que os projetos ambientais do governo Bolsonaro não emitem medidas paliativas para a preservação dessas áreas verdes e sim a flexibilização delas, já que tanto as empresas quanto o próprio governo, vão lucrar com o desmatamento. Por essa razão, a regência e principalmente o Ministério da Economia, se movem constantemente em função de flexibilizar as leis ambientais. Para isso, o jornal El País publicou sobre um documento emitido pelo ministro da economia, Paulo Guedes, no qual ele pressionava o Ibama a flexibilizar várias normas de proteção ao meio ambiente, para que assim, pudesse atender a demanda de várias empresas privadas (BENITES, 2021).

No documento, além da flexibilização, também era requisitada a alteração da identificação do bioma amazônico em áreas onde também houvessem cerrado, já que no cerrado apenas 35% da área são de reserva legal, enquanto na Amazônia é 80%, logo, a redução permitiria o desmatamento de mais áreas da floresta amazônica. Além disso, o documento que foi enviado em maio e publicado apenas em setembro, também especificava que as medidas requisitadas tinham sido discutidas com o Movimento Brasil Competitivo- um conglomerado de empresas como a indústria de alimentos JBS, Amazon, Microsoft, Google, Itaú, entre outros- para que mobilizassem o setor público. Dessa maneira, é notório os movimentos que a administração nacional faz para abrir caminhos para que essas empresas lucrem e consequentemente, destruam a biodiversidade brasileira, já que segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), 8.712 quilômetros quadrados foram desmatados na Amazônia de agosto de 2020 a julho de 2021, índice pouco inferior ao do ano de 2019, que atingiu 9.216 quilômetros (RAMOS, 2021).

 A relação da dialética hegeliana com a situação ambiental brasileira

        Dito isso, a situação ambiental brasileira já se relaciona com a dialética hegeliana por suas movimentações históricas e a sua contextualização. Entretanto, o ponto-chave para relacionar todo o sistema, é que assim como a teoria de Hegel é dividida, a situação de conflito ambiental no Brasil também sofre um sistema de contradições. Entre teses, antíteses e sínteses de Hegel, a ameaça ao meio ambiente também encarna essas divisões.

Logo, em meio a todo esse desmatamento, são os grupos que se manifestam, denunciam e lutam contra a problemática que se enquadram no sistema de teses da dialética hegeliana. Enquanto ativistas, grupos indígenas e principalmente veículos de comunicação relatam os absurdos que acontecem com a fauna e flora amazônica, ou seja, elaboram sua tese, indústrias não-verdes rebatem com antíteses, mesmo que não diretamente como o grupo de teses faz. Na verdade, a antítese do setor industrial é continuar com a sua tarefa de ameaça ambiental ou financiar o silenciamento de teses.

Em meio a todo o sistema da dialética, pode se interpretar que toda a ação ou movimento humano acaba acontecendo justamente por essa contradição de ideias entre um grupo e outro. Sempre há de haver divergência, estando um errado ou não, esses movimentos humanos de contradição geram a síntese. Aplicada a situação discutida, o Estado, especificamente, o governo Bolsonaro, é a grande síntese de todo o conflito, ou seja, o resultado das contradições entre a tese (indígenas, ativistas, veículos de comunicação) e a antítese (empresas agropecuárias). Como o Estado representa 3 poderes e entre eles, o judiciário, o qual vai elaborar uma síntese para o conflito, ele acaba, na situação discutida, por ser o pior produtor de sínteses possível.

 Considerando que o governo Bolsonaro lucra com a antítese do agronegócio, é notório que não importa quantas manifestações sejam feitas por grupos indígenas, quantas objeções sejam proferidas por ativistas e quantas notícias informem a população, na maioria das vezes o Estado vai se inclinar a antítese- elaborada por Hegel- que o beneficia. Um exemplo dessa inclinação é o adiamento sobre a questão do marco temporal que está em vigor para ser imposto aos indígenas. Em meio a vários protestos dos grupos indígenas (tese) para que eles não tenham que obedecer a esse marco temporal,- o qual implica que as únicas terras que podem ser demarcadas como indígenas são aquelas que eles (os indígenas) conseguirem provar que estavam ocupando permanentemente antes ou na data exata em que a Constituição Federal de 1988 foi promulgada.- vários ruralistas defendem a exploração dessas terras (antítese), o que representa não só o desmatamento das terras mas também o genocídio cultural de várias comunidades indígenas que ocupam esses espaços (TAHYRINE, 2021). Como resposta, o STF (Supremo Tribunal Federal) abriu um julgamento no qual as sessões já foram suspensas e retomadas seis vezes, tornando todo o processo demorado e prejudicando os indígenas, já que eles não obtêm uma resposta concreta e ainda sofrem com a pressão dos ruralistas. Logo, isso evidencia a inclinação governamental à antítese, já que a situação indígena acaba sendo negligenciada.

Outro exemplo de inclinação a antítese pela síntese é que, apesar dos recordes de desmatamentos, o governo Bolsonaro cada vez mais ignora a situação, já que há menos fiscais atuando na Amazônia. De acordo com uma matéria da jornalista Naiara Gotázar do El País, “perseguir os crimes ambientais na Amazônia brasileira sempre foi um desafio descomunal, porque é mais extensa que a soma dos 27 países da União Europeia, mas com o presidente Jair Bolsonaro isso fica ainda mais difícil" (GORTÁZAR, 2021).

Logo, na atual administração governamental, fica evidente que o Estado produz uma péssima síntese, porque apesar de todas as teses com evidências claras de crimes, o Estado ainda sim, se inclina ao setor agropecuário que desmata. Mesmo com todos os recursos para que mais fiscais sejam empregados e mais medidas sejam tomadas para reduzir a ameaça ambiental, o governo simplesmente não o faz por falta de vontade e por se beneficiar economicamente com a antítese.

Em suma, a única síntese realmente produzida pelo governo Bolsonaro foi repercutir inverdades e ignorar assuntos que possuem, efetivamente, sua importância. Apesar do setor agropecuário ser, de fato, lucrativo para a economia brasileira, a preservação de áreas ambientais como a Amazônia também é importante para que o próprio sistema agro sobreviva, já que o desmatamento afeta o ciclo de chuvas do Brasil e, se não há chuva, não há plantações crescendo e consequentemente nenhum crescimento econômico. Além disso, a manutenção dos biomas brasileiros também é importante no âmbito internacional, já que a França barrou o acordo entre a União Europeia e o Mercosul, sob o pretexto de que enquanto o desmatamento não fosse controlado, não haveria concretude nos negócios feitos entre os países (AYUSO, 2020). Enquanto isso, a única resposta ou síntese proferida pelo governo Bolsonaro foi mentir no discurso na Assembleia Geral da ONU, a qual ocorreu recentemente em Nova York. O presidente passou 13 minutos proferindo informações enganosas sobre o desmatamento, afirmando que as fiscalizações ambientais foram dobradas, quando na realidade, o governo aprovou um corte de 24% no orçamento do setor ambiental para 2021 (GIOVANAZ, 2021).

 O movimento em espiral da dialética de Hegel

        Por fim, de toda a ideia da dialética hegeliana, a maior parte da história da humanidade pode ser aplicada ao sistema de contradições. A exemplos citados, conclui-se que, só há evoluções humanas e, consequentemente, históricas, se grupos de teses- como os grupos indígenas- se contradizem as antíteses- como os ruralistas. Apesar da situação ambiental com o Estado brasileiro não produzir uma boa síntese, Hegel estabelece como síntese uma ideia aperfeiçoada, como um resultado da soma entre tese e antítese, logo, também é possível que, em outras situações, boas sínteses sejam produzidas até mesmo pelo Estado. Entretanto e, infelizmente, essa não é a situação que o Brasil se encontra no âmbito ambiental, porém, como a dialética hegeliana é um movimento em espiral que nunca se fecha, espera-se que a ameaça ao meio ambiente brasileiro também não seja uma contradição finalizada e sim, algo que possa ser resolvido, de forma positiva, futuramente. 

Referências 

Autor desconhecido. Marco temporal para demarcações: STF suspende julgamento a pedido de Alexandre de Moraes. G1, 2021. Disponível em:  https://g1.globo.com/politica/ao-vivo/supremo-julgamento-marco-temporal-terras-indigenas.ghtml. Acesso em: 29/09/2021.

AYUSO, Silvia. França freia acordo entre UE e Mercosul, “preocupada” com seu impacto no desmatamento. El País, 2020. Disponível em:  https://brasil.elpais.com/brasil/2020-09-18/franca-freia-acordo-entre-ue-e-mercosul-preocupada-com-seu-impacto-no-desmatamento.html. Acesso em: 29/09/2021.

BENITES, Afonso. Ministério da Economia se une aos esforços do Governo para “passar a boiada” sobre regras ambientais. El País, 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-09-24/ministerio-da-economia-se-une-aos-esforcos-do-governo-para-passar-a-boiada-sobre-regras-ambientais.html. Acesso em 28/09/2021.

CORRÊA, Gilson. Hegel e a filosofia da dialética: Tese; Antítese; e Síntese. Blog do ENEM, 2019. Disponível em: https://blogdoenem.com.br/hegel-filosofia-enem/. Acesso em: 28/09/2021.

GIOVANAZ, Daniel. Bolsonaro mente e distorce dados em discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU. Brasil de Fato, 2021. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2021/09/21/bolsonaro-mente-e-distorce-dados-em-discurso-na-abertura-da-assembleia-geral-da-onu. Acesso em: 29/09/2021.

GORTÁZAR, Naiara. Apesar do recorde de desmatamento em 2020, cada vez menos fiscais atuam na Amazônia. El País, 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-01-05/apesar-do-recorde-de-desmatamento-em-2020-cada-vez-menos-fiscais-atuam-na-amazonia.html?outputType=amp. Acesso em: 29/09/2021.

GORTÁZAR, Naiara. Desmatamento na Amazônia dispara e atinge recorde em 12 anos. El País, 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-11-30/desmatamento-na-amazonia-dispara-e-atinge-recorde-em-12-anos.html?rel=listaapoyo. Acesso em: 29/09/2021.

MORI, Letícia. Por que o futuro do agronegócio depende da preservação do meio ambiente no Brasil. BBC News Brasil, 2019. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48875534. Acesso em 28/09/2021.

PAJOLLA, Murilo. Indígenas de todo o país protestam em dia de julgamento que definirá demarcações. Brasil de Fato, 2021. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2021/06/30/indigenas-de-todo-o-pais-protestam-em-dia-de-julgamento-que-definira-demarcacoes. Acesso em: 29/09/2021

RAMOS, Raphaela. Os dois piores anos do desmatamento na Amazônia foram no governo Bolsonaro, mostra série histórica do Deter. O Globo, 2021. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/um-so-planeta/os-dois-piores-anos-do-desmatamento-na-amazonia-foram-no-governo-bolsonaro-mostra-serie-historica-do-deter-25143499. Acesso em: 28/09/2021.

WEFFORT, Francisco. Os clássicos da política. Vol. 2. 10 ed. 4 impr. São Paulo: Editora Ática, 2001.

[1]Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG. E-mail: raissamacf@gmail.com