Reflexões sobre a transparência pública em tempos de pandemia
Márcia Leite Borges
Acesso à Informação é um elemento importante para a materialização da participação do cidadão na sociedade brasileira, através dele é possível o controle social. Além disso, a informação é um direito fundamental, estando expressa no artigo 19 da Declaração Universal das Nações Unidas (2009) e no artigo 10 da Convenção da Nações Unidas contra a Corrupção (2007). No Brasil, a Constituição Federal de 1988 incorporou o direito ao acesso à informação regulamentado através da Lei nº 2.527/2011.
Nesse contexto de pandemia, a
transparência governamental exerce um papel protagonista, principalmente nas
ações vinculadas ao Sistema Público de Saúde. A Organização Mundial da Saúde
(OMS) recomendou ainda em janeiro de 2020 que os governos deveriam primar pela transparência
nas ações de enfrentamento da COVID-19. Por essa razão, refletir sobre o que é
de fato transparência na gestão pública se mostra muito relevante.
É possível ver a transparência
governamental como a disponibilização das informações públicas como também a
apresentação de ferramentas para a solicitação daquelas não estão disponíveis,
tendo em conta que nem toda a informação pública pode ser encontrada na
internet. Contudo, não só isso, a transparência se relaciona, também, com a preocupação
quanto à qualidade na produção da informação pública. Isso, porque, a informação
sem qualidade é inútil ou até mesmo prejudicial quando utilizada para embasar
uma tomada de decisão.
O marco legal do Brasil ao acesso à
informação é a Lei nº 12.527/2011, denominada de Lei de Acesso à Informação
(LAI). Ela regulamenta o direito previsto na Carta Magna de o cidadão solicitar
e receber informações de todos os poderes a respeito da “coisa” pública. A LAI
é uma das legislações mais avançadas no contexto do acesso à informação sobre a
gestão pública à nível mundial, em que pese a existência da Lei Complementar
131/2009 conhecida como a Lei da Transparência, foi a LAI que realmente
implantou uma cultura de transparência na ações e finanças públicas no país.
A LAI trouxe modificações
importantes com novas regras no que tange a classificação e o sigilo de
documentos e informações além especificar os respectivos graus de sigilo. Um
dos diferenciais da lei brasileira é a necessidade de os dados e informações
serem disponibilização em formato que possibilite a leitura por interfaces
computacionais (dados abertos) e não apenas por pessoas. Além disso, fica
determinado que os órgãos e entidades devem divulgar proativamente suas informações
na internet independentemente de requisição. Esse tipo de transparência é denominado
ativa.
A transparência ativa ocorre quando a
divulgação dos dados é feita por iniciativa do próprio setor público independente
de requerimento. Essa forma de disponibilização além de facilitar o acesso à
informação desejada reduz o custo da prestação de informações, além de evitar o
acúmulo de pedidos.
Existe também a transparência
passiva, onde se criam meios para que o cidadão possa solicitar as informações
que não estiverem proativamente disponíveis e que não exijam sigilo por
previsão legal. No sentido de possibilitar a transparência passiva a LAI
instituiu a criação de Serviço de Informação ao Cidadão (SIC), responsável pelo
atendimento às requisições de informação. Esse serviço deve ser gratuito, não
havendo necessidade de justificar o pedido. Contudo, se o órgão negar a
informação, este deve justificar a recusa.
Em meio a pandemia, o acesso à
informação tem se configurado em um poderoso instrumento de controle social, ou
seja, um conjunto de mecanismos que cada sociedade possui para garantir e
normatizar o comportamento do ente público, possibilitando a intervenção para
uma postura ética aceitável. Nesse sentido, com a necessidade da adoção de
medidas emergenciais na contenção da COVID-19, como a flexibilização das regras
de licitação e contratações públicas (Lei Federal nº 13.979/2020, complementada
pelas Medidas Provisórias nº 926 e 951 de 2020), mais do que nunca o acesso à
informação é primordial para o controle social do mal uso e/ou desvio dos
recursos públicos.
Mas não é isso que se tem observado,
como demonstrou o estudo da Transparência Internacional (2020), apresentado no
documento “Ranking de Transparência em Contratações Emergenciais” que analisou
os portais de transparência dos estados brasileiros, do Distrito Federal e do
Governo Federal quanto aos gastos na contenção da pandemia. Para espanto, o
Governo Federal ficou em 26º colocado quanto a transparência em contratações
emergenciais, ficando à frente, somente, do estado de Roraima (último colocado
no ranking). Isso, demonstra que ainda não há uma preocupação de fato por parte
do governo federal em expor, de forma clara e acessível, a distribuição de seus
recursos.
Referência bibliográfica:
BRASIL. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula
o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º , no inciso II do §
3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº
8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005,
e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras
providências. 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>.
BRASIL. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de
2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde
pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo
surto de 2019. 2020. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13979.htm>
ONU – Organização das Nações Unidas. Convenção das Nações Unidas
contra a Corrupção. 2007. Disponível em:
<https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil/Topics_corruption/Publicacoes/2007_UNCAC_Port.pdf>.
ONU – Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos
Direitos Humanos. UNIC/Rio/005. Janeiro, 2009. Disponível em:
<https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf>.
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