Uma análise da categoria corrupção em Hobbes
Danieli Veleda
Moura
Thomas Hobbes é autor obrigatório para
todos aqueles que se interessam por política, embora sua contribuição
intelectual seja diminuída porque, frequentemente, estas são reduzidas a
trechos da obra Leviatã “como se a primeira tese fosse aquela da guerra
generalizada de todos contra todos e a última fosse a defesa do Estado
absoluto”. Esta “é uma estratégia do leitor preguiçoso, que combina com manuais
e rótulos, mas não com uma atitude filosófica genuína e séria” (FRATESCHI,
2009, p. 11).
Hobbes
(1588-1679) foi um matemático e filosofo político inglês, mencionado como
precursor do espírito burguês e das políticas imperialistas. Tem suas obras
marcadas “sobretudo no terror das guerras que ensanguentaram sua época” (REALE,
1990, p. 485), tais como a Armada Espanhola, a Revolução Gloriosa, a Guerra dos 30 anos, a Batalha de Marston Moor e
a Guerra Civil Inglesa.
Esse
contexto fez com que Hobbes não tivesse uma visão necessariamente pessimista em
relação ao ser humano, mas, ao contrário, ele se constituiu em um autor que
prioriza a proteção da vida humana. Toda esta realidade, o fez refletir sobre os
pressupostos que constituem a base da construção da sociedade e do Estado. Como
destaca Reale (2009), para Hobbes, embora todos os bens sejam relativos, há um
bem primeiro e originário constituído pela vida e sua conservação.
Para Hobbes,
não há justiça e injustiça naturais, uma vez que não existem valores absolutos
porque estes são convenções estabelecidas por nós, logo são cognoscíveis.
“Assim, o Estado não é natural, mas sim artificial” (REALE, 2009, p. 498)
porque:
A condição em que os homens se encontram
naturalmente é uma condição de guerra de todos contra todos. Cada qual tende a
se apropriar de tudo aquilo que necessita para sua própria sobrevivência e
conservação. E, como cada qual tem direito sobre tudo, não havendo limite
imposto pela natureza, nasce então a inevitável predominância de uns sobre os
outros (REALE, 2009, p. 498).
É deste
entendimento de Hobbes acerca do homem que a expressão “o homem é o lobo do
homem” ficou famosa. Embora esta pareça uma frase determinista e pessimista em
relação aos seres humanos, ela, de fato, expressa uma constatação do homem em
sociedade e para a qual se deve dar solução.
Na
verdade, para Hobbes, o homem se torna mal porque precisa recorrer à força e ao
engano (virtudes da guerra) para se defender no estado de natureza. Assim, ao
invés de assemelharem-se a Deus pela justiça e caridade (virtudes da paz)
lançam-se à ferocidade das bestas. Conforme Reale (2009), embora os homens se
censurem por esta ferocidade não pode ser vício aquilo que é direito natural,
derivado da necessidade da própria conservação da vida que é um bem primário.
Desse
modo, nascem as leis da natureza que nada mais são do que a racionalização do
egoísmo, as normas que permitem concretizar o instinto de autoconservação. “Uma
lei da natureza é um preceito ou uma regra descoberta pela razão, que veta ao
homem fazer aquilo que é lesivo à sua vida ou que tolhe os meios de
preservá-la” (REALE, 2009, p. 499).
Sob o
estado de natureza, cada um de nós tem direito a tudo e, uma vez que todas as
coisas são escassas, existe uma constante guerra de todos contra todos. Mas,
como se tem também o desejo de acabar com a guerra para poder preservar a
própria vida, os homens formam sociedades através de um contrato social.
A partir
de Hobbes, pode-se dizer que o homem, ao exercer seu direito fundamental à
liberdade é individualista, de modo a colocar em um patamar superior seus
próprios interesses em função do que seria melhor para o todo. Esse estado
natural parece se acentuar quando passamos a analisar o Estado que deveria agir
priorizando o bem comum, mas que, muitas vezes, acaba desvirtuando
completamente sua razão de ser. Neste sentido, pior que o estado de natureza é
o pouco empenho que temos na nossa própria defesa, o que faz com que precisemos
do Estado para fazer um trabalho que poderíamos fazer.
Mas, Hobbes
defendia a ideia segundo a qual os homens só podem viver em paz se concordarem
em se submeter a um poder absoluto e centralizado. O Estado não pode estar
sujeito às leis por ele criadas, pois isso seria infringir sua soberania. A
Filosofia hobbesiana apesar de defender o Estado absolutista, é uma filosofia
liberal no sentido de que vê o indivíduo como o grande protagonista dos
acontecimentos.
Para
Hobbes, é necessário que os homens deleguem a um só homem ou a uma assembleia o
poder de representá-los. Mas este pacto não é firmado entre os súditos e o
soberano (como é para Rousseau), mas sim entre os súditos. “o poder do soberano
(ou da assembleia) é indivisível e absoluto. Essa é a mais radical teorização
do Estado absolutista, deduzida não do direito divino [...], mas sim do pacto
social” (REALE, 2009, p. 500). De acordo com Hobbes, tal sociedade necessita de
uma autoridade (monarca ou assembleia) a qual todos os membros devem ceder o
suficiente da sua liberdade natural, de forma que possa assegurar a paz interna
e a defesa comum. Essa autoridade deveria ser o Leviatã, e seu
poder é inquestionável.
Nesta compreensão de Hobbes acerca do
homem em sociedade e o Estado, a corrupção envolve a mudança ou esquecimento do
papel e especificidades do poder soberano, isto é, a busca constante pela paz e
preservação do Estado (TELES, 2012, p. 192). A corrupção é, portanto, o
soberano deixar levar-se por caminhos que não aqueles que conduzem o Estado
para a paz e segurança dos súditos, pondo em risco sua vida.
Quando o Estado não mais cumpre a função
de preservar a vida do súdito, este estaria desobrigado também de viver sob este
Estado, afinal a obrigação dos súditos para com o soberano dura enquanto e,
apenas enquanto, dura também o poder mediante o qual o Estado é capaz de
protegê-los. Porque o direito que por natureza os homens têm de defender-se a
si mesmos não pode ser abandonado através de pacto algum. A soberania é a alma
do Estado e, uma vez separada do corpo, os membros deixam de receber dela seu
movimento (TELES, 2012, p. 190).
Portanto, embora o soberano não seja um
contratante, não estando subordinado a obrigações decorrentes de contrato, ele
assume um papel no Estado, por conseguinte deve direcionar, comandar e protegê-lo,
de modo a garantir a paz e a segurança dos homens. Contudo, como ressalta Teles
(2012, p. 192) quando se trata de corrupção para com determinados indivíduos, estes
têm o direito de se virar contra o Estado, isto caracteriza uma desobediência e
não uma nulidade. A nulidade precisa atingir a totalidade dos contratantes, não
apenas indivíduos. Sendo assim, se a corrupção atingir todos os contratantes,
ferindo as cláusulas contratuais, o homem pode chegar à nulidade do contrato.
Quando o Estado se desobriga a proteger o
súdito, este se desobriga a obedecer ao contrato. E este é o ponto que faz com
que Hobbes seja o defensor mais radical do direito à vida que nós encontramos
na tradição liberal moderna, porque Hobbes dirá que não é racional exigir que
alguém renuncie a seu direito à vida em nome da obediência a um contrato. É
contra a razão natural. E, nisso, chegamos aquela ideia de que o Leviatã amedronta,
mas quem aterroriza é o Estado de natureza e o amedrontar do Leviatã é para que
se siga a regra de defender a paz e a segurança humana.
REFERÊNCIAS
FRATESCHI,
Yara. Prefácio. In SILVA, Hélio Alexandre da. As paixões humanas em
Thomas Hobbes: entre a ciência e a moral, o medo e a esperança [online].
São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009.
HOBBES,
Thomas. Leviatã
ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. [Trad. J. P.
Monteiro e M.B.N. da Silva]. 2.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
REALE,
Giovanni. História da Filosofia do Humanismo a Kant. Volume 2.2.ed. São
Paulo: Paulus, 1990.
TELES,
Idete. O Contrato Social de Thomas Hobbes: Alcances e Limites. Tese de
doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Universidade Federal de
Santa Catarina: Florianópolis, 2012.
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